terça-feira, outubro 26, 2010

A Janela

Ontem, eu não fecharia a janela.
Não que eu olhasse muito para ela, porque me bastava um borrão de canto de olho
para eu saber que ela estava lá, ocupada em mostrar o que se passava no mundo.
Ontem, eu não ousaria fechar a janela.
Talvez por falta de tempo, talvez por medo do escuro ou do silêncio, não sei.
Talvez eu apenas não reparasse nela.

Hoje, porém, é ela que não me deixa fechá-la.
Hoje, ela engoliu as ruas, as pessoas e seus carros barulhentos,
transformou-os em meros granulados planos, sem vida.
Hoje, me entretenho com sua imagem incolor,
com seu chiado letárgico e estridente,
e com sua forma abstrata.

E por mais que eu tente ignorá-la,
ela fica lá, como uma tela sem fundo,
reprisando o mesmo mundo
dia após dia, e noite após noite
me arrancando o sono
e o resto de sanidade.

Ontem, eu não costumava olhar para a janela.
Hoje, é ela que não pára de olhar pra mim.

quarta-feira, outubro 20, 2010

Apenas Idéias

Numa tarde quente e chuvosa igual a essa, o que eu mais queria era um lugar silencioso e alguns minutos pra descansar a cabeça. Mas lá estou eu, te ouvindo falar.

Você fala, como se todos os seus problemas fossem também meus. Como se eu fosse responsável pelas suas loucuras, e fosse obrigação minha controlá-las. E eu escuto.

Eu escuto pensando que, de fato, estou pouco me fodendo. Eu, na verdade, enquanto escuto, penso em todas as maneiras possíveis de te contrariar, de te desafiar. Penso nisso inclusive com um certo tom de diversão. Mas você consegue ser tão petulante que me dá raiva.

Por um segundo, me imagino fazendo maldades inigualáveis com a sua pessoa. Observo seus olhos, sua boca, seus cabelos. Seu tom de voz levemente vulgar. Tudo demasiadamente irritante, demasiadamente sistemático.

Lá fora o sol se abre e, no fundo de minha cabeça, repasso idéias vagas, montes delas, de como me livrar de você. Algumas mais cruéis, outras nem tanto. Divago desde assassinatos premeditados até recursos legais. Mas nada me parece útil. São apenas idéias.

Olho no relógio e deixo surgir um sorriso irônico. Logo lembro do silêncio, do ar fresco, da cerveja e do cigarro. Você enfim para de falar, e tudo que eu sinto se resume a uma frase:

"Pode deixar."

E, assim, tomo meu rumo, com um até logo e uma sensação de dever cumprido no peito.

Um dia eu juro que não volto mais.

domingo, outubro 10, 2010

Síntese

Foi pela conversa,
pela embriaguez
de um dia cinza
que doei as horas.

Foi aos braços firmes
e aos sussuros mornos
destes lábios finos
que cedi meus dias.

E é para estes olhos
que descansam quietos
no escuro da sala
que eu entrego a vida.

quinta-feira, outubro 07, 2010

Intervalo

No reflexo lento
do canto
do olhar desatento,
pra desgraça de uns
e alegria de outros,
o mundo sumiu no espaço
outra vez.

Mas, como sempre, foi tudo só impressão.