segunda-feira, janeiro 20, 2014

Obsessão

Primeiro, a sensação de prazer, que excita e arrepia a espinha;
A ansiedade que gela o estômago, que seca a boca.
O diafragma se enche d'água, inunda o peito
e a respiração fraca descompassa.

Os dentes cerram, a pupila dilata;

Me pego com as pernas tensas e os dedos inquietos.
Uma descarga de adrenalina me toma; um choque elétrico
que acelera o cérebro, que encharca a alma.

Eu respiro adrenalina, eu me afogo em suas ondas, eu afundo;

Eu me entrego, e é tudo o que sei, tudo o que sou.
O mundo não passa de um túnel vermelho, cheio de luzes.
Tudo se movimenta, tudo gira. Meus olhos giram
e a saliva espuma densa no canto da boca.

O suor gelado escorre na nuca,

mas o sangue escorre ainda quente nas mãos.

Desista, meu amor! Não há para onde ir.

Seu calor agora é meu.
Sua alma é minha alma.
Sua carne, minha carne.

Minha posse. Minha caça.

Beberei do seu sangue, devorarei suas vísceras.
Me alimentarei deste nobre banquete
como se fosse minha primeira e última refeição.

sábado, outubro 15, 2011

O poço é sempre mais fundo do que imaginamos.

Você, assim, meio sem querer, vai descendo pedra por pedra. Você sabe dos perigos, e sabe que algo está errado, mas mesmo assim não pára. Desce mais e mais, em direção ao fundo. Ao chegar lá, percebe que aquilo que parecia o chão é na verdade um monte de água escura e fria.


E aí você cai e afunda. Você afunda até submergir os braços, o pescoço e depois o rosto. No final não resta nem um fio de cabelo fora d'água.

De repende, você se dá conta de que está afundando cada vez mais, como se algo te puxasse para baixo. Você tenta lutar contra. Tenta agarrar nas pedras lisas e subir, mas aquilo continua te puxando. Você está fraco. Você precisa respirar.


Em uma dor angustiante, a água inunda seus pulmões e sua mente rodopia. Você pensa que talvez alguém sinta a sua ausência e te encontre.

Talvez alguém te salve e aí... quem sabe...


...





Seu corpo repousa suavemente no chão, imóvel. Engolido pela escuridão total. O silêncio é abafado pelo peso da água em seus ouvidos.

Não há mais nada: luz, angústia, consciência. Apenas a água que logo dissolverá sua carne podre e sumirá com os últimos resquícios de uma vida decadente.
Tudo ficará em paz agora.

quinta-feira, janeiro 20, 2011

Ate

Não há nessa vida agonia maior em forma de sentimento que o ciúme.
Todo ciúme é doentio. Alguns um pouco mais, outros um pouco menos, mas ainda assim todos o são.

Aquela sensação de coçar a espinha, latejar a cabeça, gelar o estômago e colar o pulmão. Algo que acelera a circulação e dilata a pupila, quase como em um caçador prestes a atacar sua caça.
Sempre tão poético, no limite da decadência humana. O ciúme descontrolado, histérico; ou o ciúme reprimido. Tanto faz.
É a intimidade particular que atravessa as barreiras da fixação; que arrebenta com todos os limites de uma mente sã. O ciúme que adoece, que perturba, que arranha, que dói até nos lugares menos vulneráveis; dói nos ossos. Ele cega com seus pensamentos pontiagudos e ensurdece com a sua sinfonia repetitiva e desarmoniosa. É capaz de atingir qualquer um e deixá-lo inteiramente a mercê de sua própria vulnerabilidade.

Impressiona como tal sentimento, criado pela capacidade de raciocinar, se torna, com o tempo, tão irracional.
Sem exceção, todo ciúme é uma doença; todo ciúme é digno de uma consequência, grave ou não, na concepção de quem o sente.

terça-feira, dezembro 07, 2010

Terça-feira Santa

O despertador tocou às sete horas em ponto; às sete e dez eu já havia levantado. Me arrumei com calma, separei minha marmita e saí. Peguei o ônibus; quarenta minutos depois, desci no terminal. Andei três quarteirões e cheguei à loja mais ou menos dez pras nove. Como de costume, liguei as luzes e os equipamentos, recolhi e organizei os materiais do dia anterior. Destranquei a porta principal e me acomodei no meu posto do balcão. Era véspera de natal e a cidade estava vazia, então quase não havia movimento e tudo parecia em paz. Passei a manhã sentada em minha cadeira com um sentimento de tranqüilidade dentro do peito; conseguia - apesar do sono que me batia hora ou outra - pensar muito claramente e até o silêncio e a luz entrando pela janela me pareciam inevitavelmente nostálgicos. Eu gastava as horas entretida em um livro e, apesar das interrupções esporádicas dos poucos clientes que apareciam, nada seria capaz de me perturbar naquele momento. O relógio foi chegando perto do meio-dia e tudo estava de fato muito agradável. Eu lia as últimas páginas do livro e estava profundamente compenetrada na história e nos meus pensamentos.

Tudo estava ótimo, até que ela entrou pela porta.

Logo que a vi, já pude prever o que aconteceria. Conforme ela se aproximava, toda a paz que me cercava sumiu, como que em uma fuga desesperada; eu quase fiz o mesmo. Não poderia ser diferente, logo que chegou ao balcão, sua boca abriu e aquele som estridente que ela ousa chamar de voz ecoou por todo o vazio da loja, cortando o silêncio como alguém que rasga uma seda no meio. Fiz de tudo para tentar evitá-la, ignorá-la. Quem sabe, pensei eu, por algum milagre, ela resolve ter bom senso. Maldita ingenuidade. Mal entrou no balcão e já foi se apossando do espaço, espalhando suas tralhas e contando casos atrás de casos: o acidente de carro, o ônibus atrasado, o décimo terceiro que ainda não chegara e os salgados da lanchonete local que estavam sempre frios. Eu tentei me conter, mas aquilo foi me tirando a razão. Não conseguia ler sequer uma linha sem perder a concentração pela metade e precisar relê-la do começo. Eu devia fazer algo!, tomar uma atitude em relação àquela petulância toda.

Me levantei em um salto e ela parou por um segundo, mas mal se importou e logo voltou a tagarelar. A expressão de seu rosto era uma das coisas mais irritantes que já tive o desprazer de conhecer. Ela permanecia em seu monólogo e eu fui me aproximando aos poucos. Seus olhos estavam voltados para as fichas cadastrais, as quais ela passava e repassava entre os dedos sem o menor propósito enquanto se balançava na cadeira, fazendo com que a mola gemesse repetitivamente; me aproveitei da distração para dar o bote final.

Quando segurei seu pescoço fino e flácido entre os meus dedos, a voz cessou de imediato e a face se voltou para mim, aterrorizada e com ar de indignação. Na medida em que eu fechava a mão, afundando-a entre uma veia verde e meia dúzia de rugas, o lábio foi se tornando púrpura e os olhos incharam para fora como os de um gato atropelado. O sino da porta soou, indicando a entrada de algum cliente; avistei através do balcão um senhor grisalho, de casaco e chapéu marrons. Me abaixei, arrastando-a para fora da cadeira. Ela se debatia um pouco e eu a segurei no chão com todo o meu peso; não sei ao certo se tentava falar ou respirar, mas o silêncio era reconfortante demais e segurá-la valia o risco no momento; apertei-a com mais força para abafar os ruídos. O senhor até então olhava em volta, à procura de alguém para atendê-lo. Dois minutos se passaram e ele pareceu desistir da idéia e começou a fuçar em mercadorias aleatórias, vagando pelas prateleiras. Permaneci abaixada no balcão enquanto sentia a respiração da mulher ceder aos poucos. Por fim, as fichas deslizaram dos dedos mortos direto no piso de madeira. Me aproximei de sua boca para ter certeza de que não existia trânsito de ar em seus pulmões. Nada. Sutilmente, deitei sua cabeça no chão e me afastei, tomando cuidado para não fazer nenhum barulho.

Retirei meu uniforme e coloquei minha roupa casual - creio que demorei quase dez minutos para fazê-lo. Peguei minhas coisas e engatinhei até o lado direito do balcão. O senhor olhava os tabuleiros próximos à porta, de costas para mim. Me levantei, desamassei as roupas, prendi os cabelos e fui, passo por passo, até a saída. "Boa tarde", disse ele. Respondi com um aceno cortês de cabeça e um sorriso. O corpo continuava lá, imóvel. Saí da loja e fui almoçar.

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Fotos

Andei dando uma revirada aqui e achei algumas fotos que eu tirei, então:

















terça-feira, novembro 30, 2010

Reflexão

Talvez eu tenha passado muito tempo correndo atrás de uma satisfação profissional que de fato não sabia o que era. Estudar, construir uma boa carreira, uma vida. Ter dinheiro, reconhecimento, status, talvez. Mas não, não é essa a verdadeira vontade que me move. O objetivo de tudo, além de alcançar as pequenas satisfações perversas do dia-a-dia, é o de auto-destruição.
Antes pensaria que construir era algo útil e contínuo, e hoje percebo que é exatamente o oposto. Não estou supondo que seja ruim ou que eu não queira construir - eu de fato quero - mas agora enxergo o verdadeiro propósito aqui: não construo coisas à toa, mas as faço com a intenção final de destruí-las para logo após construir algo novo no lugar, e assim seguir esse ciclo até o fim dos meus dias. Esse é o verdadeiro sentido das coisas, o truque da "felicidade": não permanecer inerte. A inércia é entediante, e pessoas como eu precisam de algo a mais, ainda que nesse algo não venha acoplado sentido ou sucesso algum. Mas a felicidade em si é algo muito relativo, não é? Por fim, seja uma pequena perseguição doentia ou um plano maluco ou uma mudança brusca de fatos, a questão é sentir-se vivo, e aí é que entra a busca por aquela velha cócega prazerosa na barriga, muitas vezes provida por coisas nada racionais que o subconsciente decide querer.

sexta-feira, novembro 19, 2010

Não finja...

... que você é feliz.
Não fale dos outros com tal arrogância, antes de descobrir o que é senso de auto-crítica.
Não arrisque teorias fajutas sobre o mundo, se você nunca pôs os pés nele.
Não faça discursos vagos sobre o certo e o errado se não pretende segui-los à risca.
Não julgue a maneira de pensar e de agir dos outros com tamanha rigidez.
Não desmereça as conquistas alheias só porque você não foi capaz de fazer o mesmo.

Não ache que os outros segurarão sua mão de bebê gigante para proteger seu ego.
E não espere que eles concordem com suas análises sem propósito.


Não ache tudo tão patético,
pois quanto mais você tenta esconder as suas fraquezas, mais elas se evidenciam.


E cada vez mais a patética é você.
E cada vez menos os outros te levam a sério. 


Mas você não liga, não né?
Você não tem tempo a perder com os defeitos alheios.
Você é feliz sozinha e perfeita.

quinta-feira, novembro 11, 2010

=)

A cada tosse, o meu pulmão faz um barulho semelhante ao da madeira fria estalando no fogo da lareira e tenho certeza que minha cabeça pesa, no momento, mais da metade do peso do meu corpo inteiro.

Minhas extremidades doem e minhas juntas coçam mais do que sarna em cachorro vagabundo. Meu décimo terceiro já se foi pela metade só nas contas da farmácia e já estou começando a fazer amizade com os médicos do hospital.

Acho que pedi tanto por folgas que, de um jeito ou de outro, eu acabei conseguindo.

terça-feira, outubro 26, 2010

A Janela

Ontem, eu não fecharia a janela.
Não que eu olhasse muito para ela, porque me bastava um borrão de canto de olho
para eu saber que ela estava lá, ocupada em mostrar o que se passava no mundo.
Ontem, eu não ousaria fechar a janela.
Talvez por falta de tempo, talvez por medo do escuro ou do silêncio, não sei.
Talvez eu apenas não reparasse nela.

Hoje, porém, é ela que não me deixa fechá-la.
Hoje, ela engoliu as ruas, as pessoas e seus carros barulhentos,
transformou-os em meros granulados planos, sem vida.
Hoje, me entretenho com sua imagem incolor,
com seu chiado letárgico e estridente,
e com sua forma abstrata.

E por mais que eu tente ignorá-la,
ela fica lá, como uma tela sem fundo,
reprisando o mesmo mundo
dia após dia, e noite após noite
me arrancando o sono
e o resto de sanidade.

Ontem, eu não costumava olhar para a janela.
Hoje, é ela que não pára de olhar pra mim.

quarta-feira, outubro 20, 2010

Apenas Idéias

Numa tarde quente e chuvosa igual a essa, o que eu mais queria era um lugar silencioso e alguns minutos pra descansar a cabeça. Mas lá estou eu, te ouvindo falar.

Você fala, como se todos os seus problemas fossem também meus. Como se eu fosse responsável pelas suas loucuras, e fosse obrigação minha controlá-las. E eu escuto.

Eu escuto pensando que, de fato, estou pouco me fodendo. Eu, na verdade, enquanto escuto, penso em todas as maneiras possíveis de te contrariar, de te desafiar. Penso nisso inclusive com um certo tom de diversão. Mas você consegue ser tão petulante que me dá raiva.

Por um segundo, me imagino fazendo maldades inigualáveis com a sua pessoa. Observo seus olhos, sua boca, seus cabelos. Seu tom de voz levemente vulgar. Tudo demasiadamente irritante, demasiadamente sistemático.

Lá fora o sol se abre e, no fundo de minha cabeça, repasso idéias vagas, montes delas, de como me livrar de você. Algumas mais cruéis, outras nem tanto. Divago desde assassinatos premeditados até recursos legais. Mas nada me parece útil. São apenas idéias.

Olho no relógio e deixo surgir um sorriso irônico. Logo lembro do silêncio, do ar fresco, da cerveja e do cigarro. Você enfim para de falar, e tudo que eu sinto se resume a uma frase:

"Pode deixar."

E, assim, tomo meu rumo, com um até logo e uma sensação de dever cumprido no peito.

Um dia eu juro que não volto mais.