terça-feira, outubro 13, 2009

A moça do lado de lá

- Que há, pequena garota dos olhos negros? Por que estás tão triste? – Lhe perguntei. Não obtive resposta alguma. Ela me espreita do outro lado, me mede.

Seus ombros são estreitos; seus seios, medianos; sua barriga possui curvas singelas: costelas quase sobressalentes, cintura bem fina, que escorrega suavemente para um quadril largo, arredondado. Uma penugem preta recém-aparada esconde seu lado mulher, seu sexo. Suas coxas semi-carnudas se afinam à medida que desço o olhar. Suas pernas são razoáveis e encontram-se imóveis, pregadas ao chão.

Ela possui um corpo pequeno, de aparência frágil, diferente de seu olhar... não, sua realidade é crua, exausta. Seus olhos fundos e seus cabelos curtos e molhados, penteados com desleixo para trás, lhe geram uma expressão que poderia ser cruel, se não fosse tão triste, tão deprimente.

Uma lágrima brota em seu olho esquerdo, rola rapidamente por sua face, tocando de leve seus lábios cerrados, e se acaba por despencar silenciosamente em seu colo.

- Por que choras tais lágrimas de piedade, moça? - Voltei a perguntar - Por que estás tão triste?

Ainda nenhuma resposta. Sinto raiva em seu estar. Fujo o olhar do dela, e ela faz o mesmo, mas logo voltamos a nos encarar. Ela se descontrola, me xinga, se bate. Mais e mais lágrimas começam a surgir, atropelando umas às outras. Ela se desloca para trás, ao encontro da parede fria, e vai escorregando lentamente até o chão. Ajoelha-se, as mãos levadas à boca. O rosto avermelhado demonstra agora uma expressão de desespero. Respira com dificuldade, em meio a soluços, como se lhe faltasse o ar. Ela se descabela e esconde os olhos, me tapando a visão por detrás das pequenas palmas frias.

- Estou cega, diz.

Mas logo retoma o controle, enxuga a face, arruma os fios despenteados. Se põe em pé, e novamente suas feições se contraem em um olhar raivoso, e ela volta a me encarar. Nos aproximamos... cada vez mais perto. Centímetros de distância entre sua boca e a minha. Posso respirar sua alma, seu passado. Consigo compreender seus fardos.

Subitamente, ela recua. Seu rosto se contorce em ódio puro. Ela ergue o punho, decidida, e o leva em minha direção. Em um estrondo, me despeço em mil pedaços, que caem no chão, um a um.

Olho para os lados, nada de garota. Alívio. Minha mão pinga vermelho vivo pelo piso preto opaco deste cubículo. Olho para baixo e lá está a realidade, abstrata, em pedaços, a me olhar com os velhos olhos negros.

Piso em seus cacos, me visto, a ignoro. Por hora, estou salva. Mas sei bem que logo ela estará de volta a me assombrar.

- Quando vais embora? - pergunto.

Nunca.

2 comentários:

  1. Confronto pessoal! Somos estranhos para nós mesmos.
    medonho! me agrada!

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  2. Como eu já havia dito, dessa vez, dá outra ou dá outra, gosto muito desse texto.
    E sempre que leio gosto mais.
    Ficou bem estruturado. As inversões e tudo mais.
    Gosto mesmo.

    =*
    (e te amo, isso não cabe ao comentário, mas quem liga? )

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