terça-feira, outubro 20, 2009

Deimos

O medo é a bomba relógio que impera sobre todos os outros sentimentos humanos. É o ápice instintivo abrigado no id que o ego nunca será capaz de impedir ou de disfarçar.
Costumam falar do amor, do ódio e da tristeza como sentimentos supremos. Tudo demasiadamente valorizado. Pois o medo, aquele do qual ninguém fala, é a causa e a destruição de toda e qualquer ação e reação natural.

Do medo ergue-se o orgulho, e sobre esse equilibram-se o amor e o ódio.
O medo de perder a honra, a guerra, o amado ou o filho.
O medo de não saber, de não estar, de não ser a parte pertencente de um todo. Medo de fracassar, de ser recusado, de ser rebaixado, de não ser aceito.
O medo da decepção, o medo da solidão, do abandono, da morte, da tristeza, da loucura. Medo de acabar na cadeia, no hospício, em casa ou no inferno.
O medo do desconhecido, do escuro, da rua, do quarto.
O medo de si ou até mesmo o medo do outro, pelo outro.
O desespero, a fobia, a síndrome. O medo do próprio medo.

Essa ilustre sensação que nos acompanha e suas engrenagens enferrujadas que, em meio a rangidos medonhos que ecoam quase como música no fundo de todos os pensamentos diários, movem um mundo de pesados maquinários, ao qual há muito tempo demos o nome de razão.

terça-feira, outubro 13, 2009

A moça do lado de lá

- Que há, pequena garota dos olhos negros? Por que estás tão triste? – Lhe perguntei. Não obtive resposta alguma. Ela me espreita do outro lado, me mede.

Seus ombros são estreitos; seus seios, medianos; sua barriga possui curvas singelas: costelas quase sobressalentes, cintura bem fina, que escorrega suavemente para um quadril largo, arredondado. Uma penugem preta recém-aparada esconde seu lado mulher, seu sexo. Suas coxas semi-carnudas se afinam à medida que desço o olhar. Suas pernas são razoáveis e encontram-se imóveis, pregadas ao chão.

Ela possui um corpo pequeno, de aparência frágil, diferente de seu olhar... não, sua realidade é crua, exausta. Seus olhos fundos e seus cabelos curtos e molhados, penteados com desleixo para trás, lhe geram uma expressão que poderia ser cruel, se não fosse tão triste, tão deprimente.

Uma lágrima brota em seu olho esquerdo, rola rapidamente por sua face, tocando de leve seus lábios cerrados, e se acaba por despencar silenciosamente em seu colo.

- Por que choras tais lágrimas de piedade, moça? - Voltei a perguntar - Por que estás tão triste?

Ainda nenhuma resposta. Sinto raiva em seu estar. Fujo o olhar do dela, e ela faz o mesmo, mas logo voltamos a nos encarar. Ela se descontrola, me xinga, se bate. Mais e mais lágrimas começam a surgir, atropelando umas às outras. Ela se desloca para trás, ao encontro da parede fria, e vai escorregando lentamente até o chão. Ajoelha-se, as mãos levadas à boca. O rosto avermelhado demonstra agora uma expressão de desespero. Respira com dificuldade, em meio a soluços, como se lhe faltasse o ar. Ela se descabela e esconde os olhos, me tapando a visão por detrás das pequenas palmas frias.

- Estou cega, diz.

Mas logo retoma o controle, enxuga a face, arruma os fios despenteados. Se põe em pé, e novamente suas feições se contraem em um olhar raivoso, e ela volta a me encarar. Nos aproximamos... cada vez mais perto. Centímetros de distância entre sua boca e a minha. Posso respirar sua alma, seu passado. Consigo compreender seus fardos.

Subitamente, ela recua. Seu rosto se contorce em ódio puro. Ela ergue o punho, decidida, e o leva em minha direção. Em um estrondo, me despeço em mil pedaços, que caem no chão, um a um.

Olho para os lados, nada de garota. Alívio. Minha mão pinga vermelho vivo pelo piso preto opaco deste cubículo. Olho para baixo e lá está a realidade, abstrata, em pedaços, a me olhar com os velhos olhos negros.

Piso em seus cacos, me visto, a ignoro. Por hora, estou salva. Mas sei bem que logo ela estará de volta a me assombrar.

- Quando vais embora? - pergunto.

Nunca.

terça-feira, outubro 06, 2009

Pavor Nocturnus

Meia-noite,
O silêncio da escuridão,
A atenção focada em cada ruído,
Os olhos assustados que percorrem
Cada silhueta, cada sombra
Perdida nos cantos do quarto.

Um barulho à porta,
O estalar da madeira do armário,
Alguns passos vindos do teto,
E a atenção redobrada
Nos reflexos do espelho.
Os olhos sonâmbulos e ágeis
Que não perdem um só detalhe.
A gota de suor na testa
E a ânsia gelada no estômago,
Velhas companheiras.

Outro ruído estranho,
Não sei ao certo
Se da sala ou da rua.
A garganta se fecha,
A respiração pesa.
Uma lágrima sofrida
Aparece sem aviso
E escorre sutilmente,
Molhando o lençol.

Uma e meia. Duas horas.
- Fecha os olhos,
menina! Deixa disso,
Que é tudo faz-de-conta
E não há o que temer.

segunda-feira, outubro 05, 2009

Saudade

Levo no bolso um relógio,
Um livro e um par de olhos;

Simples distrações rotineiras
Enquanto espero o bom dia
Que as horas levaram embora.

Momento Final

Na curva
Do asfalto
Deslizam
Os pés pesados
Que pisam
Ligados
A caminho
Do abismo.